Um ano na vida de Roberval

Sentava-se pontualmente às 12h. No começo a corrente de ar da varanda lhe agradava, depois virou hábito, como que um ritual. Sozinho, desde a morte da esposa em 86, Roberval cuidou dos três filhos como deu e sem maiores ambições, morou a vida toda no sítio que herdara de seu pai. Gostava daquela vida, dizia acomodando o pigarro na garganta.
Depois de crescidos, os filhos de Roberval decidiram viver na cidade. O pai relutou por algum período, mas viu que nada poderia fazer. Bradava na varanda, resmungos a plenos pulmões: deixe que vão, mas que não voltem!
Desde a partida dos filhos, Roberval saiu cada vez menos. Já cansado do cultivo do gado, delegou a um capataz que cuidasse do que pudesse e só viesse lhe falar em caso de extrema necessidade. Trancava-se no casarão durante os meses de inverno, saindo apenas para a sua religiosa estadia na varanda.
O mato crescia alto. A capital passara por revolução. Roberval não soube, mas em 98 morreu Rubio, filho do meio. Há quatorze anos não via amigos, parentes, nem desconhecidos quaisquer. Limitava-se ao seu capataz, seu contato fora da redoma que criara.
Seu único prazer, dava-se ao meio-dia. Assim como seu único ofício. Dizia ser empregado de si mesmo, pois se obrigava a levantar e viver todo dia, mesmo que sem vontade.

Há mais ou menos um ano, não o vi mais na varanda em seu horário habitual. Vi também que o mato havia sido aparado, e pelo modo que estava, com fequencia. Rezei para Roberval, pedi paz àquela alma quase que abandonada por Deus, que sofrera tanto em terra e que em céu pudesse habitar na misericórdia divina.

A caminho de casa, há pouco, vi a cadeira de balanço ocupada por um homem de aura branca. Era Roberval, vivo como eu ou até mais. Descobrira a cromoterapia de uns tempos para cá e no crepúsculo não sentia felicidade maior.

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