No fim da primavera

certas coisas podem ser facilmente superadas
certas coisas que talvez você ame, mas pode largar mão
as coisas se tornaram tão superáveis, justificáveis, descartáveis,
que fica difícil saber, quando ao invés de deixar ir
você deve pedir para ficar.

Contra-partida

Há quanto tempo
o tempo tem passado
para nós?
E a quanto
tentamos entender
que o nosso tempo não é nada regular.
Felizes somos nós
que temos laços e não correntes
que desfrutamos do riso
e dispensamos o pranto.
Felizes somos nós
que optamos pelo amor
acima de qualquer tradicionalidade.
E mesmo que os dias venham nos dizer
o quão desafortunados somos nós
que temos sem ter,
falamos por falar,
vivemos sem viver.
Com nada devemos nos preocupar
que esses dias passarão
e então,
outros virão a passar.

Sob as nuvens

a chuva levou o ninho
e deixou sozinho
o passarinho

chorou
chorou chorou
de chuva
dizendo
devolve
devolve meu canto
sem ninho não canto
acabou o encanto
do joão de barro

porque ficou cheio
d'agua vazia
porque sem joão
não há maria
e na morada
tem melodia
no seu descanso
sua moradia
joão chorou
ficou sem teto

acabou a alegria.

Chá da tarde ou O sopro guardado

cinza
até nas tuas luzes
e olhar de quem chora
sem chorar
triste sorriso, de quem vê o mundo cinza
até mesmo em suas luzes
enquadrado milimetricamente
em caixinhas de solidão
olhos,
vitrôs,
janelas
muitas delas

transparentes
como quando olho para você
e na sua janela
enxergo tua alma.
mesmo que veja
nos teus lábios um sorriso
eu olho para dentro de ti
e vejo o cinza
até as tuas nuvens,
no brilho
de tuas luzes.
o vento soprou forte e deixou perturbação.
o vento levou-me de mim, fiquei vazia

trêmula,fria.

Feito um sopro

mais uma vez
como antes
como fora
como temos passado
de tempo em tempo
em sua contagem regular
em passadas largas
e saltos fantasmagóricos
é como quem dorme e sonha
e desperta na passagem de consciência
então vive:
e roda na primavera entre uma outra taça de risada
entre as flores na calçada, sutilmente derramadas

se existe regra, lei ou argumento que contradiz a nós
se existe tempo,espaço,aceleração
não sei não
não vejo o tempo passar
nem a chuva cair
e pode o castelo ruir
que continuarei assim,
aqui.

Auto-retrato

Uma nova história
de um recém-criado
personagem
para reportar relatos
pouco compreendidos
ele não escapa
de impor percepção
influência das ondas sonoras pertinentes em qualquer situação manipulação da escrita pelo próprio autor, suas próprias ilusões, que nesta rota giratória -dança incompreensível de palavras, pensamentos, imagens, sentimentos/são inúmeros os lamentos inúmeras indecisões ilustrações distorcidas das imediações
e pedra rasa ou pedra funda ou água branca ou água imunda
que para
e
muda

e continua.

Velejoveleirovelado

Já pensou descer o mundo em corda bamba
tropeça e para
uma hora ou outra não tem parada
na corda bamba
na noite branca
enluarada
em pedra vazia
e jóia rara
em fantasia
petrificada.
percebe a fonte
naquela praça
na jaula da lisa/
sua própria casa
entende
o mundo
não entende
nada.

Do tempo que tempo existe

o tempo todo
repetido
o tempo todo
eu olho
e vejo
o mesmo tempo
dos dois lados
eu vejo um lado
e logo pisco
vejo o tempo
do outro lado
o mesmo tempo
o tempo todo
como um espelho
refletido
o tempo esteve
como um todo
o tempo todo
repetido.

A título de teoria

O vento veio e ventou como há muito não ventava
Ventou nas impressões petrificadas
Deixou mudado o que para sempre estara

Fez vivo
o que antes jazia

Fez ventarola,
ventania

E já não há necessidade de temer o dia.
É só deixar amanhecer.

Nos ís.

algo que me lembra o inverno.
é.
flolhas pelas ruas,
aquela ventania aquecida de sol
é.
alguém que não tem cara
de luvas e botas de neve
e então
neve.
muita neve sobre esse pensamento
muita neve dentro do meu coração

inverno dentro de mim.

Medalhas aos jogadores cegos

escalar a madrugada
enxuta enluarada

em cada degrau
uma partida, uma chegada

linear, enquanto vertical
translúcida se estivermos beirando a queda

estrelas entre os nossos olhos
estrelas jogadas na calçada
desenho de estrelas em folhas grossas

estrelas
por ai.

Vestígios

vagas são as lembranças
uma ou duas frases ou movimentações
o que eu disse, o que eu digo
não tem razão
não tem porquê
as falas saem livres
do pensamento
livre
não é insanidade
tampouco delírio
é só uma vontade desamarrada
é só uma porta aberta
é só uma daquelas conclusões de meio minuto
que acordam diferentes no dia seguinte
e não esperam nada
do amanhã.

Além-mar

corram crianças por toda a estratosfera
cansem,cansem
cansem devagar
sorriam sorrisos e pra que te quero de mãos frias
embaralhado com antes
confuso como sempre
trazendo a alegria desesperada
dos loucos e surdos
meu país não tem fronteiras
e vamos para onde possamos voar
mesmo que seja longe
longe demais.

A certeza é só outra bobagem

As histórias criaram um aspecto amarelado, de coisa antiga, guardada na última gaveta da última lembrança da infinita saudade.
Não há jeito de tirar a poeira, a história só é história pelo pó que confunde a vista, por estar longe de alcançar, por estar escrito e há tanto escondido, virar ficção.
Talvez, lá pelas 5h da madrugada, lembrando daquela história, você chore. Pode ser também que só recorde, sem chorar ou sorrir. Pode ser que a história se apague, pode ser que se torne uma singela lembrança e pode ser que viva, que queime, que martele na cabeça,pulso,coração.
Depois de escrita, não há relógio de regressão que traga de volta para o presente, a passada situação. Mas com o tempo, nós sabemos, tem história que não passa de um borrão.

Defeito progressão

Romperam as correntes
mas,
o animalesco ser teme em sair

Vestiram-lhe a máscara
Corroeram-lhe a alma
Preencharam-lhe de Passado
Formaram Família,
Identidade, Literatura
Criaram história
e histeria.

mas, (como antes)
O animalesco não quer sair de si
não quer viver sob o céu de cimento
nem mastigar a poeira das luzes da cidade
ele não quer nem ao menos viver de sonho
o Homem só quer ser.

O vigente retrocesso

Ensurdecer
Para escutar
Emburrecer
Para ensinar
Esconder
Para encontrar
Emagrecer
Para engordar
Enaltecer
Para esculhambar
_

Emudecer
Para falar
Escurecer
Para brilhar
Espairecer
Para brigar
Empobrecer
Para ganhar
Enlouquecer
Para sanar

[Retroceder/Reinventar/Reconhecer/Reencontrar/Resplandecer/Recomeçar]

Da cinza das horas

Venho seguindo sua direção
e leio os seus olhos, mesmo assim de longe
eu percebi que não tem volta
quando da afunilação do caminho
e cada vez mais próximo
mais dentro
mais certo
de que não há regresso
mesmo que faça um abstrato
e escreva palavras sem sentido
não se apaga mais

e
nem bombeiro
e nem borracha
nem correção

está gravado
a ferro e fogo
esta inscrição.

Hrz

as coisas fazem
e param de fazer sentido
de uma hora
para outra
sinto um desgastamento
enorme
de ter a vida corroída
de meio em meio minuto
e não importa com quanto gosto
eu trance as cordas
os fios vão se soltando aos poucos
- o problema são os fios -
e daqui a pouco
- não é preciso esperar muito -
o sonho está desfeito

novamente.

Mais um sorriso para o inexistente

que eu te digo meu amor
que as promessas não passam desse jardim
na história que corre o mundo
não são mentiras, nem meias-verdades
são cruas e duras feito pedra,
as realidades absurdas dessa dança
e são magníficas
porque não são mentiras
nem meias-verdades
são balões de nuvens mastigáveis
que parecem pedaços da minha alma
(e devem ter um gosto bom)
porque para mim soa como poesia
toda palavra dita, todo sorriso esboçado
toda verdade, mesmo que mal comunicada
que nos dá o privilégio de passear nesse jardim.


Violeiro de papel

gatos ronronantes enrolados em lençóis macios e floridos
a luz entra pela janela amarela de dia de sol
e o vento sobe e desce a cortina enquanto refresca nossos pés que não gostam de ficar presos
xícaras de um café voador chegam com a força do pensamento
é só estender a mão e as roupas já foram vestidas
você deve usar botinas, eu prefiro ficar de óculos escuros
o jornal não é motivo de briga e a música é doce, amiga, querida pelos nossos ouvidos
é preciso separar nossos corpos porque eu não quero te deixar e te peço para que
fique.
esteja nos meus sonhos, segura-me a mão, olha nos meus olhos, pega-me no colo
e leva-me para onde possamos estar, juntos como nunca estivemos.

Mais uma de se preocupar

feito tempestade
bate as janelas do quintal
ensurdecendo a mulher que estende a roupa no varal
você atordoa até os menores seres que me cercam
as borboletas já não aparecem mais
e atravesso as ruas como se fosse minha última passada
feito tempestade
que é o que eu sou.

Pisca-pisca

eu vou pirar
num pisca-pisca
numa batida
numa passada,
eu vou fingir entendimento
esquecer o meu lamento
vou me descabelar

e então parada
uma outra dança
outra pisada
outro pesar

eu vivo este entreterimento
esse meu sentimento
esse pra lá-pra cá.

Como se não bastasse umas duas mil e cinquenta vezes

a mesma roupagem
para o mesmo sacrifício
eu dedurei o
meu futuro
e rompi
com meus princípios

de novo
e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo
(...)