03h00 AM

o céu amanhaceu
na hora que amanheci
até então eu não sabia que era tão tarde
nem que poderia dormir tanto
o dia corre depressa
e a noite é minha companheira
eu tenho a sorte
de amanhecer o dia e beber café
eu tenho a sorte de ter o sol
pra iluminar o jornal novamente
e quando a noite chega
eu tenho a sorte de encontrar-me
com aquele lobisomem,
aquele que é metade nuvem e metade algodão-doce
aquele que não deve ter nem um quarto de matéria
e pensa nas lagartixas, assim como eu
é como mirar um espelho,
lembrando que nossas imperfeições
são os desvios do mundo
e somos iguais nas nossas diferenças.
instalado o caos ou não
o céu ainda flutua sobre nossas cabeças.

Escuta, por favor

amigo,
não alcançarás o céu
se quiser sair ileso
dessa dança.
o cimento que levanta o prédio
é como sangue frio
e já são exacerbadas as paredes
do mundo.
para com isso,
vive direito,
sente no peito,
não seja
aquele homem isolado
que vive fadado a ser obrigado.

seja capaz, esquece razão,
procura por paz.

Não tem nada a ver com dignidade - II

Os homens vivem querendo ser iguais
enquanto desprezam a igualdade.
e sua escória reza por
sorriso de dente
cabelo de pente
palavra que mente.

Tua roupagem nãote faz mais digno

Não me preocupo
se o teu semblante
se assemelha a um
pavão ou uma draga.
Não me interessa
saber das tuas posses,
propriedades, poupanças
assim como não me
importo em distribuir cigarros
pra fazer do mundo mais feliz.

carne é só carne
matéria é só matéria
elas desmancham e apodrecem
deixando só reflexo
do que é querer
realmente.

Capaz de ser

nunca sei se é demais ou pouco
pode ser que seja demasiadamente perigoso
exporos segredos do tempo
aos quantos cantos o mundo tiver.
mas
não lembro de ter dito
qualquer verdade que eu saiba
a letra de cor.

pois para mim
o que não é,
também é.
O céu desabou sobre a sombra. Despedaçou a não-materia. Derrubou o seu não-ego e feriu suas entranhas inexistentes.

O que (não)sobrou da sombra, sobrou invisível, porque o corpo já havia deixado aquela sombra há muito tempo.

Hoje o corpo está estirado.
Fazendo sombra em praia de um paraíso qualquer.

Ruas paralelas

não me impressiono com os seres humanos
são previsíveis mesmo quando improváveis
não há nada de novo nos homens
nem um fato histórico, nem uma grande construção.

o que me atordoa
são seus artísticos verbos
e tudo aquilo que não pode dizer
ou simplesmente não sabe

a ignorância é linda e envolvente
pois é não sendo
que se torna o que se é.

Pra não te chamar o nome

beirando a inocência
quando estamos só entre a gente
você é um engano
bem emoldurado
eu uma dúvida
colocada indevidamente
nós somos
palavras
as que eu despejo em você
e as que você susurra para mim
não somos metades
somos um só
eu sou você, você sou eu
e não estamos
como se estivessémos
nós não somos o que se chama de uma folha
nós já escrevemos as coisas
te chamo por meu bem
para sempre ter a quem
me chama de amor
enquanto existe entre a gente.

Camaleão azul de alma cor-de-rosa

tudo que for alcançavel - um copo, um sorriso, um abraço
um sonho - a luz atravessando as nuvens
uma, duas ou muitas pessoas ou só pessoas
onde não importa quando, como que não tem porquê
mundo que enlouquece a gente, palavra, percepção, papel
são só
bobagens que se comem frias, porque o tempo já perdeu a hora
e doença já perdeu dor e mundo já mudou sentido
e ficou tudo colorido

a ponte de madeira,
o rio, aquela casa antiga e rosada
tudo como antes
e tudo mudado.

Que dizes

o rapaz olhava confuso para garota que dessamarrava os sapatos. ela não percebeu.
o homem no vagão achou estranho fones de ouvido grandes daquele jeito. ela cantava.
a menina da padaria discutia por não poder vender somente um pedaço de goiabada para que a menina comesse com o queijo que trouxera. ela saiu comendo romeu e julieta.
as senhoras do semáforo não gostaram ao ver a garota quase ser atropelada e quase sorrir. ela ria.
o professor achou estranho alguém desenhar, escrever, conversar, falar ao telefone e fumar ao mesmo tempo.
ela sentou para pensar.
não via ninguém. não viu o rapaz, nem o trem. na padaria só pensava em queijo, nem viu moço, moça, criança ou idoso.
só tinha olhos pra dentro de si.

Não

a bebida não vai matar minha sede
não se eu não puder beber você.
e eu não acho que ela deva, assim como não te quero encontrar.
nem para dar um gole.

18:18

Se esfriar demais, fuja. Se já for tarde, deite. Se não tiver sono, leia. Se não tens um livro, canta. Se não canta, toca. Se não toca, fala. Se não fala, sente. Se não sente, fuja.

Onde nunca como sempre

Como uma extensão da minha, a sua. A gêmea daquela que tenho pra mim. Não pode ser e talvez não seja. Mas foi.
Foi, além da metafísica. Além do que pode fazer em rimas. Além do que é possível reportar.
Eu tento. Eu peno por voltar na história, na que me pertence. Onde eu vi e vivi e tenho detalhes.
Eu tento. Eu temo por perdê-la, esquecê-la, transportá-la, reconstrui-la, reestruturá-la.

Eu tenho marcado em pele. Marcado a fogo.
Marcado em alma.

E tento, marcar em história.

Vez ou outra

Eu faço versos para mim
E vivo para lê-los, tê-los.
Tenho medo de não ter nem vontade de ter
Mas eu sempre tenho
Mesmo não querendo
Eu tenho medo
de respirar o mundo depressa demais
E correr o mundo sem saber pra onde vou
Mas eu nunca sei
Mesmo qurendo.

Por isso não te olhar nos olhos

Por que você não toma um chá de sumiço? Não se muda pra marte? Ou simula óbito?
Por que não sofre um atentado de homem-bomba às seis da tarde enquanto eu finjo esquecimento?
Por que você não faz voltar o tempo e muda cada cena desse nosso passado?

Por que não faz decreto pra tirar do dicionário o pronome ordinário que um dia chamou 'nós'?

Carta de amor sem destino

Queria que me tirasse o sossego
e que fizesse morada no meu coração.

Sobre um lapso

desconhecimento e coincidências é o que procuramos nos jornais.
dos olhos queremos verdades,
dos encontros, dos sorrisos
do toque do desconhecido.

coincidentemente alguém.
conhecidamente outrém,
um a mais para coleção ninguém.
Inverno dentro de mim.

Tão pouco é tarde

o que existe entre céu e terra
perdeu-se no vento, a caminho de casa
a ventania levou as lembranças dos desapercebidos
e fez o dia virar breu.

o homem partiu junto ao silêncio.
levou consigo o coração de quem amava.
o homem partiu para longe,

levou meu coração.

Não sai

Deixa-me o corpo
liberta-me a alma.
A felicidade está em mim
e eu sei onde encontrá-la,
mas eu queria dividí-la com você.
Por que afinal tudo deu errado?
Disse não
e logo vi que era bobagem
Disse sim
e pedi por liberdade.
inutilmente movo e sou movida por vontade.

"Se o coração bate
e o pulso pulsa e
o mundo gira
e tudo muda
por que ainda
não deixo de ser tua?"

Embalado para presente

De tempos em tempos eu desenterro memórias.
O tempo passa tão rápido e tão comprometido com o amanhã, faz hoje parecer instrumento de um futuro de carrossel e nuvem.
Mas nem sempre o mundo se faz azul de bolinhas brancas. Às vezes ele é negro e desencorajador
como uma viagem de barco ao fim do mundo.
A vida real pode ser como tempestade,
nebulosa agitação dos mares que traz ao porvir a calmaria.

"E assim sucessivamente acontecia.
Havia noites que o céu caia
mas o amanhã,
brilhava à luz do sol
e a sorte de um novo dia."

Disseram sonho.


Obrigado por chorar

feliz estar nas bordas, beirando a vida, como a platéia da ópera.
feliz poder estar perto da desistência e ser fonte não segura de informações
agradeço por errar, desiludir, enfraquecer, desistir.

mas,
seguro na borda
para sempre tentar.

Se existe caos não existe a existência

a ilusão é somente uma das mentiras que contamos e escrevemos em papel cartão para dar aos namorados.
na verdade somos cegos de mundo e aspirantes a nós mesmos.
andamos no futuro
objeto objetivo obrigado
colhemos flores
para que valha a existência

(mentira que é verdade; é verdade não dita)

não é só sonho, nem só matéria
nem só mordida, nem só miséria
nunca é
e nem deixa de ser
é concreto que desmancha em flocos
é palavra pra perder no vento
é lamento,

projeção despida
conservada em vida.