Meu pequeno coração

Eles estão correndo lá fora. Corram crianças.
O sol está em toda parte, mas ali ele faz desenhos no chão.
Agora eles estão deitados na sombra.
Tem flores coloridas por todo lado, tem árvores e uvas em cima de suas cabeças.
O céu azul tem nuvens brancas e elas são muitas.
Tudo brilha infinitamente.
E o mais lindo de se ver, são seus sorrisos.
Ele é azul, ela amarela. Ela tem pernas compridas e ele é pequeno como um botão.
Eu os olho de longe, mas eles estão pertinho de mim.
Eles vieram do mesmo lugar que eu.
E vivem junto a mim, onde quer que eu vá.
Família somos nós.

Uma conversa inacabada

Olhou para os dois lados e passou pela porta. Entrou em um corredor estreito e quase que sem iluminação, havia uma vela no canto da próxima porta que ele entraria - mau agoro.
O outro cômodo tinha maiores dimensões, mas mesmo assim ainda se sentia acuado.
O salão possuia umas quatro ou cinco mesas que estavam vazias, em um canto havia um casal de meia-idade discutindo alguma coisa sigilosa, sussurravam ao se comunicar e olhavam para os lados o tempo todo.
Afroxou o nó da gravata, jogou a pasta no balcão, e sem nem ao menos sentar, pediu gim com tônica.
- Bom dia Senhor. - disse o homem de trás do balcão.
- Bom dia nada.
- Tenho notícias para o senhor.
- Seja breve.
- O rapaz do 147 veio aqui procurar pelo senhor, disse que não viria essa semana. Ele perguntou se podia receber pela mercadoria antes de entregar, disse que não. Ele ficou furioso, tá vendo essa faca aqui? Pois então, me ameaçou com ela, disse que precisava do dinheiro e se eu não arrumasse pra ele já, tava fudido.
- Que você fez?
- Eu dei o dinheiro pra ele.
- Você é um imbecil, por acaso?
- Ah, o que você queria que eu fizesse? Você olhou bem pra faca?
- Seu idiota, você acha que ele vai voltar com a mercadoria agora?
- Eu vou atrás dele se não voltar.
- Ah é? E vai fazer o que? Chorar pra ver se ele se sensibiliza?
- Vou armado. Se ele não quiser dar a mercadoria, peço o dinheiro, aí se não der, perde a cabeça.
- Faça isso.
O homem empurrou o copo, puxou a maleta e já estava indo embora quando o barman o chamou.
- Senhor?
- Fala, infeliz!
- O senhor esqueceu isto.
Três balas de revólver em direção ao corpo do homem, mais especificamente na cabeça.
Três lindos tiros certeiros, pá pá pá. - Eu ouviu até fogos nessa hora. -
Então o homem sentado à mesa levantou-se pra pegar a maleta e o do balcão se apressou para sair.
Dividiram o dinheiro e sumiram pela portinha no canto do salão.
Os dois tinham uma coisa em comum que não era dinheiro.
Era vingança.

E o céus disseram para que venhas

Levantava-se tarde. Quase nunca penteava os cabelos.
Vestindo flores calçava seus chinelos preferidos, que costumavam ser brancos.
Saia pela janela e atravessava sem olhar a rua.
Sorria para desconhecidos mas não como se os conhecessem,
como se não conhecesse mesmo.
E ria sozinha. Porque ela era a razão de toda a sua felicidade.
Cantarolava paródias de suas músicas preferidas porque não lembrava as letras.
Corria sem motivo e pra lugar nenhum. Só gostava de sentir o vento desmanchar seu penteado.
Gostava de ter um penteado mas nunca conseguia mantê-lo, então não tinha penteado nenhum.
Não achava necessário estar certa, mas pra ela era imprescindível estar em paz.
Ouvia quando necessário e falava mais do que.
Abraçava as pessoas porque gostava delas e sorria para elas por isso.
Não conseguia dizer mentiras, pois lhe jogaram uma praga.
Falava que um dia ia pra lua e um dia ela foi mesmo. Deu dó de ver.
Ela foi sumindo aos poucos, ficando branca, branca, branquinha.
Até que virou luz e então subiu aos céus.

Como só mais uma esperança que morre.



Creer

Fiz com que meu sussuro soasse como um canto tímido,
percebi que precisava de calma.
Acariciei seus cabelos,
para que se sentisse querido e confortável.
Contei uma história com final feliz,
pois de jeito nenhum deixarei que você perca a esperança.
E mesmo depois de adormecido, permaneci segurando sua mão.
Olhei pela janela. A guerra se propagava mundo a fora.
Eu não acreditava nas minhas palavras, mas tinha que fazer com que você acreditasse.





Aquele quebra-cabeça interminável

Acordei sem saber quem eu era
e passei a tarde toda assim.
Eu te reconheci quando te encontrei
mas nossas peles não se tocaram
Isso me confunde ainda mais.
O tempo passou pra nós e não vimos
O tempo levou tudo que tinhamos
e nos transformou em meros
desconhecidos.
Eu olhei pra você de longe e tudo o que
eu vi foram lembranças ofuscadas
Embora eu ainda tenha esperança que
quando o sol sair ele vai esquentar o meu coração
e eu vou esquecer de tudo que me magoa.
Mas eu gostaria de segurar sua mão
pra dizer que foi tudo verdade e quando eu disse
que queria ver o dia nascer a seu lado eu não estava
fingindo.
Eu não estive mentindo,
eu não entendo porque as coisas são dessa forma.
Eu simplesmente não entendo.

Sem sentido nenhum

Auto-destruição era tudo em que ele pensava. Na verdade não pensava, sua mente agia sozinha.
Naquele dia de inverno, como de habitual, levantou às onze da noite, tomou um café rápido, vestiu o paletó.
Guardou suas lembranças na cabeceira da cama, pra ter lindos sonhos quando voltar. Afinal, o que acontece no mundo, não deve entrar na memória.
Mas, naquele dia as coisas não aconteceriam da forma como ele havia planejado.
Unhas vermelhas, uísque, charuto barato, onde foi encontrado pelas duas da manhã.
Às quatro se viu no calçadão falando mentiras pra mulheres mentirosas.
Sem nenhum escrupulo, às seis, comia fiado no bar e lamentava pela maravilhosa noite que tivera.
Sete horas a caminho de casa, correria, confusão. Decidiu ficar e olhar.
O primeiro tiro foi pra ele. Ah,
Era tudo que lhe faltava.
Era tudo que desejara.


Sono, sonido, sorriso

O mundo pra mim é um redondo giratório de imagens, sons e sentidos.
Não me parece concreto, me parece sonho, esfumaçado.
Mas o que me chama atenção nessa história de mundo, é que ela é mutante.
O mundo pra mim é a maior represetação do todo.
É tudo o que eu não tenho.
Eu tenho idéias do mundo e ideais.
Eu imagino pra que ele serve e como posso servi-lo e se sim, como isso pode dar sempre certo.
Eu reclamo por ele mudar tanto e me deixar confusa, como fico.
Mas eu até que gosto disso quando eu estou gostando do mundo.
As vezes eu não estou e este texto não irá servir pra nada. Vai ser uma folha em branco ou então
um livro antigo de páginas amarelas comido pelas traças.
Não nego que reportar tal pensamento irá fazer com que eu saiba que no dia de hoje
eu pensara no mundo e até que ele me apetecia.

- Uma pequena descrição do mundo -
Por Preguiça vestida de marina


Ele desaba nas nossas cabeças quando estamos distraídos.
Ele nos deixa sentir uma felicidadezinha e depois faz com que tudo embranqueça.
Parece deixar a gente louco e mesmo quando não estamos,
achamos que estamos, porque confunde a gente.
Deixa a gente eufórico.
Deixa a gente tristonho, principalmente quando ouvimos músicas tristes.
Parece ser de verdade e de mentira.

Eu acho que tudo que o mundo tem de bom é mentira.
E o que eu mais gosto do mundo é poder senti-lo, sentir-me,
sentir a tudo.

A Fábrica do Poema

Sonho o poema de arquitetura ideal
Cuja própria nata de cimento
Encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair
Faíscas das britas e leite das pedras.
Acordo;
E o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
Acordo;
O prédio, pedra e cal, esvoaça
Como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se,
Cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido
Acordo, e o poema-miragem se desfaz
Desconstruído como se nunca houvera sido.
Acordo! os olhos chumbados pelo mingau das almas
E os ouvidos moucos,
Assim é que saio dos sucessivos sonos:
Vão-se os anéis de fumo de ópio
E ficam-me os dedos estarrecidos.
Metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
Sumidos no sorvedouro.
Não deve adiantar grande coisa permanecer à espreita
No topo fantasma da torre de vigia
Nem a simulação de se afundar no sono.
Nem dormir deveras.
Pois a questão-chave é:
Sob que máscara retornará o recalcado?

Adriana Calcanhoto.

Louça branca

Correu muito rápido. Cabeça pensante, borbulhante.
Asfixia.
Pensando por pensar.

Chega cabeça - eu digo - mas ela não obedece.

Automobilidade

Acho que estou depressiva porque meu livro está acabando.
E oh, ele era minha única fonte de alegria.
Que droga essa história de vida objetiva.
É bom ler sobre pessoas de mentira.
Bons tempos que eu mentira, hoje sou só verdade.
Aprendendo a ser verdade, esse deveria ser o título da minha história.
Mas talvez ela seja triste em alguns momentos, e isso
me deixa assim,
principalmente quando uma boa história de mentiras está chegando ao fim.
Aprender a lidar com a tristeza, ai está o título do próximo capítulo.

Um sonho lilás, neve e bolas de natal

Ela era uma
menina
pequenina.
E sua cabeça
se abrira.
Despejando palavras
dia e noite,
noite
e dia.
E quando não estava lendo,
ria.
Um dia ela descobriu que não tinha
nem sol, nem nuvem,
nem poesia.
E teve medo de ficar
vazia.
Pra fugir do seu medo,
dormia.
E descobriu que no sonho,
sorria.

Sua letra

O que há pra ser feito?
De que forma eu resolvo?
Escolher o eleito?
Responder pelo feito.
E pensar com
cuidado,
Pra dizer-lhe com jeito
que além de dar medo,
o caminho perfeito
deve ser
sinuoso
e estreito.

Faço de minhas palavras, minhas palavras.

Sábado, 4 de Julho de 2009

Foi então que a nuvem se desmanchou e caiu sobre o chão frio a esperança.
E se o amanhã não vier?
Ficou com medo de perder os dias, os que hão de vir.
Então com as mãos sobre sua lápide, ela esvaeceu.
O tempo todo pensando no tempo e sem tempo pra viver o tempo o tempo se perdeu.
O tempo todo é muito tempo e não ter tempo de ter o tempo todo é não ter o tempo todo
.
.
.
.
Sempre com planos pras memórias.
Panos quentes sobre a desesperança.
A obscuridão do dia seguinte e não há roteiro pra hoje
E se o amanhã não vier
...
Recuperou-se e subiu de novo na nuvem, dessa vez de uma forma diferente, pois a nuvem já não era mais a mesma.
E ela caiu mais umas milhares de vezes.
E pôde se levantar, com a esperança de um só tempo, não do tempo todo.
Postado por MRM às
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Ver a chuva dançar na calçada cor-sim cor-não
pular nos quadrados escorregadios
e flutuar

flutuar
flutuar até cair.

Queda

Acordei com os olhos vidrados no espelho.
O que estou fazendo aqui?
A cabeça imóvel parecia também não funcionar,
meus olhos estavam verdes como a água daquele rio
e minha boca vermelha, como fogo.
Continuei estática.
Será sonho?
Algum tempo depois, não sei quanto
me vi na cama,
depois na cômoda,
fui pra lugares que eu não sabia onde era,
mas estava sempre voltando pra cama,
empurrando os travesseiros pra lá e pra cá,
vivendo no sonho,
sonhando que vivo.

Duplicidade

Sentei na calçada com a esperança que você viesse logo.
A lua parecia estar bem em cima da minha cabeça e havia umas poucas estrelas no céu.
O vento era de frio, eu estava bem agasalhada e também segurava uma blusa pra você.
Que demora, pensei.
Fiquei lá agachadinha no frio, cigarros me faziam companhia.
Finalmente abriram a portinha e saiu uma luz fraca lá de dentro,
depois vieram vozes e passos apressados, cada um tomando seu rumo.
Levantei-me pois você já deveria estar pra sair.
Fiquei com aquela cara de quem está puto, só pra fazer uma cena.
Reclamei alguma coisa e nos abraçamos.
Que saudade.
Ofereci ajuda com os livros e você que adora abusar da minha boa vontade,
despejou uns cinco nos meus braços.
Fomos conversando sobre as novidades até chegar em casa.
Pro mesmo lugar de sempre.
Pro nosso lugar, pra nossa história: a nossa vida dupla-familiar.