Desfeito

Os olhos trancados
em prantos

olhos vagos
como tantos

melhor se fosse cego,
do que o infinito ser o tempo

melhor se fosse certo,
e não só mais um lamento.

Impressão em papel

costura a minha alma rente ao corpo
e me desfaz pouco a pouco

imprime o seu significado
no meu

existe
sobre a minha existência

desconstrói sutilmente
a razão que me põe fria -

me envolve em poesia
me derrete em melodia

faz-me ser um só
em silêncio,

cria


institui em mim
forma nova
reincide sobre mim, tua forma.

Quase nada

Acordou a paz.
Deu de beber aos animais, leu o jornal sob o sol, colheu acerolas maduras, alimentou os passarinhos...
Quando veio a tarde, ninou o seu querido, assoprou a sua querida, saiu à rua para sorrir aos desconhecidos.. dançou pelos semáforos, cantarolou nas calçadas, surgiu entusiasta e voltou à casa, com mais ar ainda nos pulmões.

Parecia ter cinquenta anos e então parecia ter só cinco. De nada sabia de cor, e assim distribuía a despretensão e a alegria de não caber no mundo.

Em fila de banco, deitava em meio às nuvens. Em trânsito, flutuava sobre os pés.
Não importava onde estivesse, sempre haveria de estar no céu.
E no céu, reinava sobre a paz.

Sem direito a veto

Não é falta de gostar.
Também não é excesso.

Não quero parar
Eu quero parar

Regrido e prossigo.
Sucesso.

Me vejo de volta no caso.
Análiso o meu reflexo,
investigo o meu retrato.

Sou para mim um ponto cego;
me coloco em ato falho -
ao dispor de tanto ego
em retalho,
logo ato.

Sou da cena, a luz do palco
do caminho, sou trajeto
Sou a via para o fato,
de tão livre, sou decreto.

à mingua

No vagão do trem, entre janelas embaçadas:

Chuva sobre as decisões novamente. (e pensar que ontem mesmo fazia sol)

No universo por um fio:

(...) Quando na linha do destino o traço livre toca, a colisão não deixa sobreviventes.

No livro de cabeceira:

O mundo desaba líquido.
As retas precisam mudar de plano.

Desaguar no mar

quando estamos sozinhos,
neva

sentir queimar, em cortes minúsculos e quase imperceptíveis -
feito suspiros dilacerantes.

árvore amarela, casa de madeira -
"o sol não morre,
morre?"
vivem dentro de nós -
os assombros
e os pores-do-sol

montanhas
de infindáveis concessões.

em oceano sem fim,
faz viagem de ida e volta
tempestade de água e pedra

corre,
para se libertar
foge,
por qualquer estrada.
se constrói um forte,
sorte.
e quando o sol já está na linha do infinito
existe mais esperança por sobre todo um inverno.





Fuga

escada
diagonal
preto-branco
transversal
deslizando no beiral

fuga à meia-noite
tira,
na queima
a roupa

tira-teima
tiro à toa

tenaz,
desvia
no tórax
bala fria
embalada
batida
pulsação
contorcida
desfalece
insistente
ainda
sorri

enquanto
ainda
sente.

trissílabo

a luz atravessou meus olhos,
respiro fundo - meus pulmões estão sorrindo.
um longo minuto para trocar noite por dia,
muito provável um longo dia.

tons
de
azul
som
de
mar
e a
brisa...

gélida
porém,
calma.

as manhãs,
(quando estão de pé)
me acendem os sentidos,
me faz feito folha em branco e escreve,
desenha,
define suavemente a forma que me tomou a madrugada.

tons
só meus
sons
do dia
e a
brisa...

quente

porém,
calma.