mais

é quando, aquele que antes era errante, o destino encontra. é como chegar ao topo do monte, vivendo cada passo sem sentir o cansaço desmerecedor. é irradiar. perder límites - até o da própria pele - sair da pele. sair da ideia - maior que idealizar e refletir - é só sentir. só ouvir. só caminhar. só seguir.
é só deixar.
deixar-se encontrar.

Talvez(às vez)

de quantos tijolos é feita a nossa casa? quantas histórias, talvez toneladas delas, é capaz de suportar? pode de repente, a pintura ruir? pode, sem aviso, o teto vir a desabar? e se por ventura eu não estiver, a casa permanece a me esperar?

Síncope

hipnose
em
suspensão

nos olhos
só tocam
música
de vitrola

passos rodam
na luz do vitrô da cozinha

garrafas de um vinho alegre,
degraus de um motivo breve
e a infinidade para andar na corda-bamba
entre as janelas.

Um colibri no caminho

diante do mar
sou só um ponto

grão de areia
solúvel e sensível

mas, sobre uma formiga, sou rei
mesmo não sendo

muito me interessa saber,
por que a lupa persegue a pequenez
se a onda não nos procura para nos afogar?

diante do grande, sou pequeno
e do pequeno, sou grande

mas em meu tamanho, não
eu não sou a minha metragem,
mas mesmo assim ela não muda

quando da rotação da terra
um ponto fixo que se move,
não sai do lugar

em relação a tudo,
sou nada.
mas quando me vejo no nada,
no fundo,
sou
tudo.

Benzadeus

um homem
vestindo
farrapos

traz na face
o contentamento

e no coração,
um castelo.

em sua mente,
um ploc-ploc denuncia,

estoura bolhas de sabão

que
vêm de
viagem
longinqua
voltando da
conchinchina
varrendo
do céu
ao chão

E ontem mesmo, em meio às nuvens
cozinhava o seu pato, deitado
com sua coroa de rei

sua falta de estilo é disfarce
pois, no olho de outro homem
um homem nunca é o que merece ser

Somar

Queria poder dividir mais. Talvez dividir-me até. Mas sem razão, pois pela metade nada vale a pena. (E se não for "nada", talvez sejam tão poucas coisas que nem se faz necessário mencionar.) O ser, de tão único, faz falta. Ser só um terço, é não ser. É assim que se perde o senso das coisas. Talvez porque dividimo-nos demais e não dedicamos os começos, meios e fins em algo que será único, como somos nós mesmos. Embora o desejo da partilha, seja uma saída para o estreitamento da viela - que chamamos de vida - não é partindo, mas sim somando, que agregamo-nos inteiros.

A falsa ideia do tão(pouco) conhecido relativismo

Enquanto a tendência corrompe (e bloqueia) a livre criação, os inseridos tirilintam suas taças menosprezando os marginais. Basta seguir um ou outro e assim, o rebanho é guiado. Mentes guiadas para consumir o que os tais oferecem. "Amem, idolatrem, compartilhem, curtam os nossos amigos no Facebook. E livre, sejam. Por nós conduzidos."

Vamos às conclusões

Rosalinda se nega a acreditar no fim. Por isso, chora todos os dias. Chora, tendo. E quando não tem, também chora.
Derruba doze lágrimas de cada olho, a cada meia hora que passa. É uma bacia de fruta inteira, a cada dez horas. Quando dorme, acorda três vezes durante a noite para chorar. Acorda também três para beber água e duas para ir ao banheiro.
Quando acorda, chora no chuveiro, no café da manhã, ao caminho do trabalho, nos intervalos de seu ofício de marchetaria, no banco do metrô, da estação até a padaria, da padaria até sua casa, e quando em casa, derrama suas benditas doze lágrimas a cada trinta minutos.
Rosalinda não lê jornal, não vai à missa, não senta no buteco, não assiste à televisão, não conversa nos 30 segundos de semáforo, nem nos 30 de elevador. Mas, sorri. Só quando está entre os outros. E não se diz infeliz, ao contrário, sempre diz "vou bem". E suspira. Disfarçando bocejo.
Rosalinda não vai bem. Mas ninguém nunca viu.
Ninguém nunca esteve em sua casa, nem no banho, ou no caminho do trabalho, ao seu lado no metrô, atrás dela na fila da padaria... Ela nunca viu ninguém. Ela só vê o fim.
Pois no fim, ela se vê chorando. E temerosa de que quando tudo acabar, se debulhará em lágrimas e em tristes despedidas, despede-se todo dia. Estendendo assim o fim, só para ver se ele não acaba.

Tão não

(...)
de ferro
é feito

são tão
não

engrenagens
em pessoas

(s)em razão

perdem-se,


perderão

De um para mais

vai,
vento
passageiro

passa,
sem
sair
do
lugar

leva o
pranto,
leva o
apego,
o tempo,
a hora,
o sim,
o não

leva
preocupação
momentânea

que eu deixo,

eu deixo
levar

Azul - I

Enquanto o mundo
sussura em meu ouvido
embaralhamentos
de pouca compreensão

Eu caminho desapercebida,
em lentidão,
revelando raios solares nos telhados
flores nas grades
luz entre os corpos

o cinza é predominante nos discursos

nas luzes dos carros, nas janelas dos prédios,
nos olhos dos conformados (...)
cinza é o céu quando chove

quando
desaba,
desola.

a chuva também
me molha

e em mim
transborda

cinza de cimento
de contrução nova.

Romance - parte I

eis que sois
pintura
insólita

no mundo
todo igual
não há


homem
das púpilas
octagonais

menino
dos olhos
profundos

Rasas conclusões sobre o regresso do inverno

o frio

corre
as
montanhas

atravessa
as árvores

nada nas
barbatanas

e em
ursos polares
amigáveis

o frio
congela
os ossos

até mesmo
os dentes

aproxima

os lençóis
travesseiros
e conhaques
derradeiros

(aques/eiros)
são mesmo
mentirosos

os copos
e os corpos
cada vez
mais contíguos
agudos de friagem

se unem
se atam
se perdem

em flocos
de névoa
invertidos.

Me diz mais sobre a razão

mas é sem
razão

que o meu barco navega

rumando ao infinito
só quer ser do mar
só quer ver azul
só quer se perder

sem ter que
voltar