Dosagem

enquanto
o câncer corria
desfaleciam também
os sorrisos
(...)

ilusões fixas na parede da cozinha
correndo no tempo, pelo tempo
só para dizer que ele existe para si.

definhar,

definhar,

exaurir,

entregar.



O legado de Torrismundo

o homem
deitado no topo do morro,
antes
vagava na beira do cais

foi-se
cavalgando os córregos
beirando os propósitos
caminhando próspero

até encontrar a paz.

Vasos azuis de porcelana são só bacias vazias supervalorizadas

é preciso ser a força e também os olhos.
é preciso ver, rever, ler, reler, escrever, reescrever, criar, recriar, fazer, refazer (...) é preciso ser constante.
e tolerante, quanto as andanças do eu, do outro, da vida que corre paralela.
não seguir o manual e sim seguir com a vida. e tropeçar e cair
tropeçar ficar
tropeçar levantar
tropeçar e só tropeçar
é preciso saber.

é preciso saber da verdade
de boca, de alma
de olhar

e mais que tudo
é preciso enxergar
o tropeço, a força, a regra, a lança, a palavra, a lembrança
e é preciso seguir
seguindo.

Diz-se dos corpos em equilíbrio

a onda leva, como um redemoinho, rondando a vida da gente, movendo de dentro para fora, trazendo para perto o antes marginal, tocando todo o ser, dançando por toda a pele, trançando toda dança, descendo mundo abaixo, mais para dentro de si, pro' lado obscuro do teu.

mais vivo.
mais tenso.
mais denso.
mais senso.

a mesma rota percorrida várias vezes,
na correnteza de nome próprio,
no leito tranquilo do Eu.

Em uníssono

A divina conclusão surge na última hora da madrugada. Clareia passivamente a mente, como o sol ilumina o dia. E os olhos recebem os primeiros raios da divindade. Ao descanso do corpo - tolerante quanto às despedidas - até a salvação dos finitos resquícios de sanidade. É preciso dormir, para então acordar, como é Lóry em sua aprendizagem.
Quiçá o destino conheça a si mesmo. E não há de se preocupar com as forças, nem as da física ou da complexa metafísica. Serão sublimes, em suas imperfeições e enquanto perfeitas, suspensas - para e sobre os sonhadores.

Ás de copas

Quando me diz inquieto:
- eu quero.
Me abre uma chaga no peito,
feroz.
Queimando, me pego pensando:
- não devo.
E o diálogo só nos faz menor.
Me conta que está decidido -
de encontro, que quer ser comigo
uma pessoa melhor.
Mas mesmo para ser amigo,
não pode negar o perigo
de juntos - sermos um só.
E o querer não me faz contente,
pois há algum tempo insistente
só vamos de mal a pior.
Enquanto falamos às gralhas,
rolamos em fogo de palha -
em delírio,
em suor.

A metade cheia

O doce sabor
do conhecimento,
tão vasto:
vive em todas
as esferas.
Tão casto:
renova-se todos os dias.

A metade vazia

fecho os olhos
e deixo-me submergir
nem contra ou a favor
sou só ausência.
de volta à superfície
inclino-me a ser parcial
em corpos e ouvidos n'agua
e olhos atentos ao céu.
ofuscados pela luz, torno-os adentro do meu eu
eu sou carne e compreensão
um corpo boiando no infinito,
inquieto quanto ficar, indeciso quanto deixar

inodoro, incolor
incólume.