História de amor - parte dois e três - Muros sobre as palavras

o luar adentra pela janela, assim como você adentra à porta. alto, magro e desconhecido. falamos como amigos, bebemos como amigos e nos olhamos com aquele ar de perigo.
chegou tão cedo que ainda estou de cabelos molhados, sentou e ficou - enquanto eu discutia comigo mesmo; onde mesmo que devo esconder os segredos?
o tempo não dá trégua e como sempre tem sido desde que nos conhecemos, precisamos nos apressar.
nuvens,
pêssegos,
suspiros.
tão delicadamente
quanto delirantemente

então nos agarramos às grades
e falamos sobre amenidades
finalizando assim, sem ao menos saber teu nome.

Zelo

O destino me fez cego. Sigo-o. Segue-me.
Conduz-me à dança,
que roda,roda,roda
e cansa,cansa,cansa
e no ato falho:
descansa.
na crença,
na coerência,
na persistência,
na inocência
na saúde e na doença.
O destino me faz coajuvante
da minha própria trajetória
porque me balança feito criança
como se não fosse capaz.
Eu guio,
me guia,
e toma pra ti as rédeas -
para me salvar de mim.

Do contrário

sobre qual assunto? eu mudo. eu não deixo que seja, por não querer, por não deixar, pelo atrevimento das partículas modeladoras. eu digo. e dito que mudemos o trajeto. você quer? eu veto. eu não quero que seja o que quer que seja. eu minto. eu finjo que aceitei o teu propósito. e voto; voto para ter mais justiça, a minha que não sê maldita. maldigo, se por acaso tenho por vontade desfazer o erro. e fito. implico,suplico,conflito, complico.
Infinito.

Troca-se sentido por sentado

eu sinto que posso morrer agora
ou em qualquer outro dia,
mas também agora.
sob o céu
deitada sob a lua
refletindo sobre a brisa fina
com os olhos miúdos
de quem se inebriou de morfina
como se uma vida toda
fosse um livro escrito e lido
e reescrito e lido e relido
e como quem espera por conclusão
quer que ele seja assim,
desesperadamente sutil -

como um suspiro

desritmando o coração.

Inscrição

eu vi
mas não tinha palavras
eu não vi palavras
o que me fez ver mais
e depois ver menos
em um segundo consumir-me
o verbo
mesmo que depois um certo
- o tempo certo -
já baqueado está o que feito foi
e escrito em rabisco rebuscado
fica para a posteridade.

Sobre o sombreado da lua

mania de agarrar sombras
e em outras mãos deixá-las cair,
resgatar e descartar
sem intenção de apropriar,
aquilo que é do mundo
o mundo virá buscar.
nas sombras que nele vagueiam
a seu destino encontrar,
são só como corações perdidos
que fazem da esfera do mundo
pista para dançar.

Autismo literal

vou deixar rodar
até a uma exaustão peculiar
e o suor vai lavar
aquilo que sobrou da minha alma
os sentidos submersos
e as conceituações obsoletas
serão rotas e perdidas em danças
sem direção,

despersonificadas
e alternadas em movimentações
coerentes entre os cegos
atos com só o que houver dentro de mim
e com o que faz-se necessário transparecer.
E a cargo do porquê e da razão
vão ser parte da infinita concessão
entre o excluir e a inclusão.

Epístola Lunar

talvez a luz atravesse os nossos corpos
mas nem percebamos
eu não sei a quanto tempo eu já me acostumei contigo
nem a quanto você olha para mim desse jeito
talvez não seja nada além do que esse gosto pelo perigo
e essa auto-imagem desfragmentada de nós dois
eu sorrio porque gosto
e recebo quais sejam os teus versos
eu escrevo sobre a floresta escura e também sobre lucidez
não tenho motivos para deixar de lado o que é vivo
e vivo;
por ai, contigo ou sem, pra ti ou para ninguém
tenho para mim que por gosto eu te guardo no bolso.
e revivo o que for para viver, na hora em que a luz desaparece.

Escrituras de nós mesmos

estou propensa à felicidades,
prefiro-as.
mastigadas ou a mastigar
tanto faz
como é, como vai ficar
deixai que a sua propensão o leve
e vá.
onde conseguir alcançar

e volte se precisar;
tudo é azul e calmo
e quando do vermelho e tenso
vai ficar amarelo e dúbio
o verde enérgico
azul e calmo
como é tudo que é.
porque a felicidade vem e vai
e volta a ser -
cíclica como história de livros,
que se desfragmenta e se encontra para um desfecho final -
propenso ao que o autor julgar mais coerente.

Coerênce-ria

Inverso --------- ao verso
Avesso ---------- à via
Contrário ---------- ao coro
Oposto ----------- aos modos

D I F E R E N T E
da maioria.


O sentido não levou o faz
para o caminho que seguia.
Motivo e razão faltaram
para fazer companhia.
Desconexo chegou:
Coisa com coisa não dizia.
Quem ouviu ficou perplexo:
De nada entendia.
O faz perdeu o sentido
e encontrou poesia.