Torre de Babel

O tempo está fechando, e as nuvens movimentam-se no céu
No parapeito da janela eu vejo o tempo ruir e a vida correr apressada,
em luzes vermelhas e caixas metálicas condutoras de destino.
A minha morada, não diferente das outras, é só mais um quadradinho reluzunte
e sem distinção de credo, cor e preferência televisiva, estamos alinhados
na nossa referência de lar.
O teto que me protege é o mesmo que me limita alcançar as estrelas
e as travas de segurança enjaulam a minha liberdade.
Eu me enclausulo por vontade própria, não que tema demais, eu só
quero conservar-me sereno.
E nessa caixa de fosfóro familiar, há uma frestinha que traz o mundo pra
dentro de casa, com imponentes postes escuros e seus fios, caminhos de vida
e um pequeno ponto de luminosidade,
A lua de quem não tem céu.


HOMEM

Bebeu seu último respeito
e saiu arregaçando as mangas.
- Mais cuidado, senhor.
Pois sim, ele deveria ter.
Atravessou a rua sobre passos falsos,
gritou com os carros, aflito, atônito
Amaldiçoou o mundo, de homens à animais
Cuspiu em quem dormia,
pisou em quem passava,
viveu, pra quem até tão pouco, morria
E sentiu a si, como nunca havia sentido
E aquilo era tudo o que ele era,
um desagrado humano.

Antes do verbo

Eu te via, você me viu, eu virei.
Você me viu, eu te via, eu virei.

E desde então eu sempre olhei por você.

Morto-vivo

Calças compridas o faziam homem
Bigode, charuto, whisky, óculos escuros
Jornal sob o braço, chápeu de palha
Atravessando as escadas, com pressa
Olhar fixo e obstinação
Movimentos rápidos, rasteiros
Acabou por derrubar uma senhora cinza
Vestido florido, óculos de grau, sapatilhas
Jornal dentro de suas sacolas, frutas amarelas
Dançando pelas escadas, sem pressa
Olhar parado e desorientação
Movimentos lentos, remansados
Acabou por derrubar um senhor marrom
E juntos, rolaram escadas abaixo
E viva, viva, por não saber por onde andas
E nem por onde irás andar.

A neve

Acordou como quem pousa
e falou palavras surdas
No escuro não ouviu falar da luz
e não acreditou sobre o redondo da terra
Displicente com o inventado
transformou papel em asas
e misturou as cores, pra dar mais vivacidade
Juntou tudo o que havia sido separado
e cantarolou vitória sobre a multidão apática
No seu segundo degrau, ela derramou a sorte
E seus pés escorregaram no gelo derretido.
Pro almoço: um corte.
No jantar: a morte.





Onda sonora

Meus joelhos ficaram bambos e descontrolados
As mãos pairavam em degraus imaginários
Suor, sorrisos, suspiros.

Os pés exitavam ficar parados
O corpo como todo movimento
Compreensão mental e física.

Leve e pesado
Entendível e desnorteador
Sensível e selvagem
Sinestésico
Sintomático

Ou isso, ou o

silêncio.

Cantando sozinho

Eu cansei de cobrir com lençóis
e por panos quentes
nessa tempestade inflamável
de falsa satisfação.
Eu enxergo longe e não te encontro
você não esta presente, e até sua
sombra nega a aparecer,
nem pra efeito de ilusão.
E nada o que eu tenho é meu,
foi tudo programado.
Sem data prevista para execução.
Planeje seus sonhos longe dos meus
e não me venha com desconstruções.
O que eu quero não existe,
assim como aquele fantasma,
que é só uma enganação de
lençol.

Parece estar longe.
E está. Não tá?

Ganhar Flores

Esta é uma música do Rafael (Castro).

Ela dava-se com qualquer um
Sem recorrer a mil desculpas
Sem consultar qualquer razão
Quem viu, dizia que ela era amar
Quando não era que era fria
Quando não era até pior
Mas tinha a sorte em não
Se incomodar e nunca se dispor a
aparecer, telefonar
Não declarar as porcarias que se sentem
Nem fazer fotos pra lembrar
E um grande alívio era não se preocupar
Em ganhar flores
Quando não se tem onde guardar.

Ora, ora

Eu gosto de branco, azul e vermelho.
Ora gosto de vermelho, outrora não gosto,
eu enjôo fácil.
Igualmente me agrada o azul, mas ainda
fica faltando alguma coisa.
E fielmente meu coração é de uma brancura só.
Fazendo das cores adorno.
E levando ao eterno retorno.

O solitário sociável

Não é o homem que parece ser.
Tem olhos fundos, cansados, mascarados por óculos aro de tartaruga.
Suas feições tem forma flexível, instrumento do disfarce.
Esboça sorrisos amarelos e só ri verdadeiramente quando se encontra na solidão.
Mantém suas mãos inquietas em bolsos, copos, fumos, corpos alheios.
Discute sobre um tudo porque pensa demais.
E analisa demais, fala demais, vive demais.
Se esquiva de brigas, problemas, dinheiro, delírio.
Passa facilmente despercebido e definiram-no legal.
Um ser bio-psico-social normal.
Cujo mal é ser bio-normal, legal-social, psico-total.

Balanço

O vestido rodopiou.
Girou pra fora da órbita da terra.
As flores que nele residiam,
voaram.
Elas dançaram no vento.
Seguindo o som que vinha
do amanhacer.
Acompanhando a melodia que
desce pelas montanhas,
navega os rios,
corre os campos.
A melodia que faz o vestido
rodopiar.
A música que nasce nos cosmos,
e faz girar o mundo.

Degrau

Os minutos são a própria eternidade,
e as peles são só mais um instrumento dos sentidos.
Ao redor tudo permanece inaudível, inodoro, intangível.
A luz se estabelece em nossos corpos, transmitida insessantemente.
E é tão incompreensível, que em alguns casos, só pra constar definição
é chamado de paixão.

Se eu pudesse diria que sim

Eu olhei para o seu rosto.
Eu me vi ali.
Mas não sabia se era verdade.
A confusão de sempre voltou.
E ela me abala, você sabe.
Eu olhei pra você.
E tudo o que eu vi, eu não soube interpretar.
Eu senti o seu coração bater.
Posso tirar conclusões disso?
Esperarei o vento soprar forte e se
eu não tiver pra onde ir, eu desisto.
Mas até lá, eu vou olhar por você.

Similar

Ela bateu na porta, se não me engano umas três vezes. Ninguém aparecia.
Inquieta, acendeu um cigarro e esmurrou a porta dessa vez. Passos e vozes.
- Quem está ai?
- Eu vim pra reunião.
- Seja bem-vinda.
A porta era de uma madeira escura e pesada e fazia a segurança de uma casa branca e quase que sem móveis.
Havia um sofá de um azul desgastado com uma escrivaninha ao lado e isso era tudo que havia na sala. Ela foi entrando e o próximos cômodos estavam todos com as portas fechadas, o que impossibilita nossa visão.
O homem que abrira a porta se vestia todo de preto e ao abrir a porta da sala de reunião revelou mais pessoas vestidas assim.
Ao entrar na sala, ninguém a cumprimentou e com a cabeça baixa sentou em uma cadeira próxima à saida.
Vestia sandálias coloridas e roupas de sarja, se destacando entre os presentes.
Um homem de olhos pintados pediu silêncio.
As vintes pessoas que estavam na sala se calaram, por medo ou por respeito.
O homem começou o discurso e só o que se via eram olhos vidrados naquela figura persuasiva.
Ninguém ousava piscar.
Como alguém que acorda de um coma, ela se levantou.
Pânico na platéia.
- O senhor me passa a palavra?
- Senhorita, como ousa interromper-me?
- Sinto-lhe informar senhor, que seu discurso não passa de besteiras bem colocadas que quase ironizam com a situação em questão, onde macacos treinados para serem homens assumem posição de macacos treinados para serem seus homens, se esquecendo que o senhor é também um macaco.
- Pegue suas coisas menina e deixe este lugar, você não merece estar aqui.
- Eu não quero que eles acreditem nas suas palavras.
- Então espalhe por si só as suas e deixe que das minhas eu faça o que quiser.
Ela levantou-se e as suas últimas palavras voaram como penas pela sala.
- Quando eu proferir qualquer coisa, vai ser pra propagação da idéia como salvação e não pela salvação de qualquer idéia.
E tanto fez, que foi como se sua mensagem tivesse grudado nas paredes do lugar.
E morrido lá mesmo, junto com os ideais de todos os povos.